CRDH Semiárido lança nota de repúdio à redução da idade penal

O Centro de Referência em Direitos Humanos Semiárido, o Movimento de Adolescentes e Crianças (MAC) e o Diretório Central dos Estudantes da UFERSA vêm a público manifestar repúdio à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/1993, em trâmite na Câmara dos Deputados.
É de se perceber que, nos últimos tempos, o discurso de ataque aos direitos humanos tem recrudescido e encontrado representantes em proeminentes políticos de nosso país. À custa de explorar problemas sociais enfrentados por brasileiros e brasileiras e reverberar estigmas, o discurso antidireitos humanos procura atingir as mais fundamentais garantias jurídicas, conquistadas após lutas históricas, consagradas na Constituição de 1988. Vale ressaltar que isso acontece de forma socialmente seletiva, o que se expressa no jargão “direitos humanos para humanos direitos”. Estão fora dos “humanos direitos” todos os grupos sociais cujas garantias são atacadas diariamente.
Nessa ofensiva contra os direitos fundamentais, mais precisamente contra direitos de grupos vulneráveis, o primeiro segmento a sofrer séria ameaça é o de crianças e adolescentes. Atualmente, o risco se instala no conjunto de modificações à Constituição propostas pela PEC 171/1993, dentre elas a redução da idade penal de 18 para 16 anos.
A redução da idade penal é proclamada como solução para o quadro de violência crônica que nossa sociedade enfrenta. Essa bandeira omite a origem multifatorial da violência, procurando afastar a reflexão sobre a desigualdade social, o preconceito, a iniquidade da distribuição de renda e a insuficiência de políticas públicas. Além disso, pensar o encarceramento de adolescentes em prisões como solução para a violência é apostar em uma estratégia que já vem se mostrando ineficaz.
Atualmente, a responsabilização de adolescentes existe associada a um sistema que visa não ao castigo, mas à socioeducação, e respeita a condição peculiar de desenvolvimento desses sujeitos. O clamor pela redução da idade penal, ao contrário, reflete um retorno ao direito penal como vingança, é redundante e injustificável. As medidas socioeducativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e, mais recentemente, pela lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) já têm caráter sancionatório e vão desde advertência à restrição de liberdade.
Dados do relatório produzido pela Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o Sistema Carcerário Brasileiro (2009) apontam uma taxa de reincidência de egressos do sistema prisional que oscila de 70% a 85%, evidenciando a inexistência de uma política para a ressocialização dos presos. Por outro lado, no sistema socioeducativo, tal índice é de 20%. Esses números revelam o quanto a perspectiva de responsabilização e educação, em detrimento da de punição, é mais eficaz no que se refere à recuperação de indivíduos em conflito com a lei.
Ademais, experiências de países que reduziram a idade penal demonstram a falta de razão da medida. Espanha e Alemanha instituíram a responsabilidade penal e juvenil para 12 e 14 anos, respectivamente, e, ao não alcançarem melhorias no quadro de violência praticada por grupos de tais faixas etárias, reestabeleceram a idade penal para 18 anos. No caso dos EUA, a redução da idade penal aconteceu em vários estados e se constatou maior reincidência daqueles que passaram pelo sistema prisional e uma maior violência nas ações.
Outra questão importante a se refletir é a associação que se faz entre a sensação de insegurança da população brasileira e os atos infracionais cometidos por adolescentes. A criminalização desse setor social é (re)produzida por uma mídia promotora de uma cultura de medo, que faz da violência um espetáculo. Dessa forma, boa parte da sociedade e o Estado baseiam seus posicionamentos numa visão unilateral das circunstâncias e se recusam a reconhecer que muitos adolescentes que cometem atos infracionais são vítimas diárias de diversas modalidades de violência.
De acordo com um relatório da UNICEF de 2012 sobre a violência contra adolescentes no Brasil, o homicídio é a causa de 36,5% das mortes entre os jovens, enquanto para a população total é causa de 4,8%, sendo o Nordeste a região com maiores índices desse tipo.
Essas questões nos fazem refletir sobre onde o conflito se instala de fato: no adolescente que descumpre o que é previsto em lei ou no Estado que não provê os direitos fundamentais básicos de forma igualitária e justa para todos. A PEC 171/1993 atingirá mais fortemente um setor da sociedade com classe (pobre), cor (negra), gênero (masculino) e faixa etária específicos (18 a 25 anos), que historicamente vem sofrendo um processo de exclusão. Sendo assim, o Centro de Referência em Direitos Humanos, o MAC e o DCE da UFERSA se posicionam contra a redução da idade penal, repudiam a PEC 171/1993 e convidam toda a sociedade a combater o ataque aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes.
Adolescente é para viver! Não à redução da idade penal!
Assinam a Nota: Centro de Referência em Direitos Humanos do Semiárido; Movimento de Adolescentes e Crianças – MAC e Diretório Central dos Estudantes da Ufersa